Acontece a cada década. Elas chegam de repente, en masse, e dentro daquilo que parecem dias, se tornam ubíquas. Ficam por aí um tempinho, e invariavelmente, são processadas, consumidas e eventualmente descartadas em cíclos cognitivos e sensoriais coletivos. No início, você pode até se surprender apreciando-as, curioso para saber por quê não foi você que teve essa idéia, e, apesar de que, de fato, não foi você, como você poderia incorporá-las no seu próximo projeto. Se forem muito complexas, pode até demorar um pouco até desvendá-las, mexendo nas ferramentas novas do Illustrator ou nos últimos plug-ins do Photoshop, passando horas on-line atrás dos melhores tutoriais, ou, dependendo do grau da sua competividade, trocando dicas com seus colegas. E, uma vez elas dominadas, aí que começa a farra, a aplicação inexorável à toda e qualquer peça que for passar pelo seu caminho. Você está dividido entre o orgulho de ter consiguido o controle, a técnica, e a vergonha de seguir cegamente as super-abusadas últimas tendências criativas.
São aquelas manias estilísticas que tomam conta de toda comunicação visual durante uma dada época. Certamente, não são fenômenos recentes, pois sempre estiverem presentes, tanto, que elas acabam sendo associadas a períodos históricos e usadas para classificar estilos de design. É por isso, como o nota o grande historiador Philip B. Meggs, que o design é considerado uma expressão particularmente fiel de zeitgeist, uma palavra alemã que não tem tradução precisa, mas significa mais ou menos “a alma de uma época” e se refere aos gostos e tendências de uma era. Mas essas modas, do jeito que estamos vendo elas hoje em dia, na era da mecanização e da reprodutibilidade da criação, posam certos problemas – de criação, de inspiração e de missão, de fato, como “gerador” de novas linguagens visuais – para o designer. Estou falando especificamente da atual tendência dos brushes e dos seus inúmeros efeitos. Não é que eles são “chocantes” nem “surpreendentes”, porque a qualidade do trabalho que eles enfeitam raramente é muito alta. E o que marca, não pode ser o detalhe, o enfeite, se o conjunto for ruim. Na verdade, esses efeitos são, no melhor dos casos, totalemente enfadonhos, e simplesmente irritantes no pior – quando você teve que olhar para aqueles padrões abstratos de videiras, subindo e se enroscando pela 738,882,115a vez numa tarde. Imagino que não seja muito diferente do que ouvir pela primeira vez uma música empolgante no rádio, se deixar consumir pelo ritmo, anxioso para ouví-la de novo, descubrir “quem canta aquela música?”, e se apressar para abaixá-la; e aí, de repente, você percebe que está ouvindo ela o dia inteiro, todos os dias, no carro, no trabalho, no shopping, no bar, na TV, até que a única coisa mais chata do que ouví-la mais uma vez, é não conseguir tirá-la da cabeça. É o tipo de buzz que pode ser bom no ínicio, para propulsionar vendas, merchandising e ações promocionais, mas certamente não segura a onda ao longo prazo, e pode, na verdade, prejudicar o sucesso do dito produto. É só perguntar para o Rick Astley.
Surgem, então, várias perguntas ao refletir sobre a atual mania da escovinha (e eu insisto no “atual”), perguntas importantes não apenas para designers e a comunidade de design (incluo nisso os publicitários), como também – assim como é freqüentemente o caso com esses assuntos – para os consumidores de design, os nossos clientes, que parecem não entender que é justamente porque todo mundo está fazendo que não é bom. Enquanto essas manias estão no seu auge, pode rolar uma distorção preocupante entre o design “bom” e o “ruim”. Será você um “bom” designer, que produz trabalho de qualidade, de impacto durador, ou será você apenas um bom técnico, que aperfeiçou o manuseio do brush? É importante poder fazer essa distinção, especialmente na sala de aula, pois o primeiro tipo de criativo tem de fato uma chance de marcar a sua época, influenciar a evolução da comunicação visual, enquanto o segundo corre o risco de se tornar um escravo do plug-in, e conseqüentemente, estagnar professionalmente. Não me interessa tanto de saber exatamente como o brush chegou aquilo que ele é hoje – a resposta é relativamente simples: comunicação de massa, vozes globalizadas, gostos a cada vez mais homogenizadas, o medo e risco de não ser aceito. Mas é claro que, com as máquinas a cada vez mais potentes-porém-baratas, a fartura de tutoriais disponiveis on-line (sem falar dos cursinhos para os mais ambiciosos), e os aplicativos über-intuitivos, é mais tecnicamente fácil do que nunca montar uma peça publicitária ou um site; qualquer um pode se sentir numa posição toda-poderosa de aparente controle e gênio. Essa sensação só pode ser confirmada quando se percebe que consegue reproduzir exatamente aquilo que os “pros” estão fazendo! Oba! Ninguém me segure agora! Hajam trepadeiras! Hajam ondas abstratas curvando e subindo pelas bordas de cada uma das minhas peças! (Infelizmente, o limite do tolerável sempre é elastico demais nestes casos.)
Não que o brush em si seja repulsivo – eu mesmo já me surprendi apreciando a graciosa parreira, até cheguei a usá-la – uma vez. Mas o negócio é que o seu uso é excessivo, e isso, sem comunicar coisa nenhuma. Os fanáticos do brush não limitam a sua ornamentação obsessiva apenas a trabalhos de natureza botânica. Pelo contrário, eles a aplicam a todo e qualquer material que eles produzem, seja para promover uma rave, anunciar um curso de verão ou vender tampa de vaso sanitário. Houston, we have a serious design problem – forma e função saírem do prédio, separadamente. Então o problema aqui é duplo: de um lado, é o uso excessivo, e do outro, o uso gratuíto, dois errors comuns ao designer inexperiente – ou simplesmente “ruim”. Como se pode justificar o uso da mesma técnica para todos os seus projetos? Mesmo para quem trabalha com um tipo muito específico de cliente - organizações não governamentais, ou empresas de tecnologia, por exemplo – como se pode ignorar descaradamente as necessidades e vozes únicas que cada um deve ter? O professional que faz este tipo de criação formulaíca viola um princípio cardinal da comunicação corporativa quando ele homogeniza cada estilo, em vez de individualizá-lo. Ele perde também uma oportunidade de fortalecer o brand da empresa quando ele deixa de criar uma conexção emocional forte com o cliente – é dificil se animar, se sentir especial se todos têm a mesma coisa do que eu.
Modas geralmente não consitutem obras de excelência. Então – como julgar a qualidade de um trabalho? Será que tem como responder à essa pergunta ligada ao imediato, ou será que tempo e perspectiva são variáveis fortes demais nessa análise?
Antes da “automatização” da criação (Do-it-yourself-layouts, Design cookbooks, Logos by Microsoft Office), o design permanecia único durante mais tempo, não era clonado maciçamente. De repente, não tinha tanto motivo para clonar, antes que o design se tornasse uma “commodity” tão quente nos mercados globais. Hoje em dia, tem também essa imagem de um trabalho que é só glamour. O ego não consegue resistir à possibilidade, mesmo infinitamente remota, de ver a sua obra nos holofotes.Tantos motivos para não entrar nessa profissão! Mas ao olho leigo, o brush do Illustrator eliminou o braçal a 2 níveis: na execução (nada de paste-ups, estilete, spray mount, xerox, cromos, etc), mas também APARENTEMENTE no processo criativo (“é so dominar a maquina, qualquer um faz. Não preciso ter idéias, o aplicativo já gera um estilo enlatado para mim que é tão profissional quanto aquilo que está sendo veiculado lá fora. E já que está lá fora, deve ser bom”). Aí que está o big mistake.
As verdadeiras obras de gênio são frutos dos trabalhos de designers que desafiam tendências, que realmente criam, a partir do 0, coisas novas. O bom design, antes de qualquer outra coisa, é um lugar onde forma e função conversam, se mesclam, trocam fluídos, se casam. Também é único, original, inusitado, pode até chocar, assim como o fez o texto do Stefan Sagmeister burilado na própria pele (www.sagmeister.com/work5.html . Ele usou também uma galinha decapitada para anunciar uma conferência da AIGA). O bom design, muitas vezes, força os limites da comunicação, é sempre indiferente as modas, como é o trabalho do David Carson, que incorpora os próprios erros no trabalho final. JAMAIS o bom design é dependente de, nem meramente conectado a, aplicativos. A execução nunca é acessória, pelo contrário, ela sempre é intencional e consciente, como nos cartazes do grande Ivan Chermayeff, cujo estilo deliberadamente infantil e ilustrativo é inconfundível.
Se você depende de aplicativos para criar – o que já, de cara, me parece totalmente absurdo (voce sentaria na frente do Word esperando ele escrever o seu texto?) – o mais que você pode almejar, é de ser mais um rosto bonito na multidão (é isso, apenas se você for MUITO bom de Illustrator). Com certeza, ninguém de valor vai querer se comprometer para beleza a curto prazo e sem substância, especialmente se tiver uma expectativa de algum tipo de retorno no investimento.
É isso que distingue um trabalho bom, excepcional, de um meramente bem executado, ou “na moda”. Porque o brush em si, não quer dizer nada, é apenas uma desculpa estilística para uma falta de substância. É uma coisa que existe tão disconectada de uma mensagem, tão aleatória, que acho até presunçoso chamar de “estilo”. Só pode ser julgado, como um detalhe bem executado, bonito ou feio, mas nunca como uma voz que faz uma diferença.
Então da próxima vez que você pensa em usar um brush, pensa naquilo que você esta dizendo (ou justamente, não está dizendo) com ele. E se você se surprende cansado dele, entediado pela sua repetitividade, se você é consumido por estrahas sensações de déjà-vu a cada vez que você entrega um projeto ou folhea uma revista, chegou a hora de ir adiante, buscar outras fontes de inspiração, e voltar à verdadeira alma da criação – de fato, para verdadeira criação, em vez da mera imitação. Se for aquilo que você estiver almejando, então o desafio, o questionamento, o teste, a rejeição, e o risco farão parte do seu cotidiano. Só assim você vai poder fazer parte da turma dos grandes, dos inovadores, dos verdadeiros gênios que já estão indo além do zeitgeist, anunciando a próxima era de design.
5 comentários:
O que me deixa entusiasmado é saber que mesmo com toda essa moda existem designers dispostos a voltar a essência da criação, remeter ao significado do que se propõe. Tenho uma grande dificuldade quando me coloca a fazer algo. Pois quero que TUDO no que me propus tenha uma conexão com a mensagem, afinal seria pra isso que tal argumento estaria la.
A moda dos brushes as vezes nos faz colocar algo pra preencher um argumento impensado. Peço desculpas por cair nessa armadilha e tomo consciência da essência do que me dispus.
Tenho que admitir que a única coisa que consegue me irritar mais do que eu ter as minhas limitações em aplicativos como Illustrator e Photoshop, é a infindável repetição e banalidade do bom uso delas em criações de arte.
Ao mesmo tempo em que é uma coisa boa abrir o deviantart e ver uma porrada de artes boas cada vez melhores e cada vez mais numerosas (significa que nossa espécie está evoluindo!! Hoooi!), também é, por outro lado, alarmante a criação em massa de uma frota de pseudo-artistas, que só porque sabem mexer num brushizinho, fazem uma composição de imagem cheia de efeitos legaizinhos da moda acham que são os caras (juro que não é inveja)...
E a essência da criação, é acima de tudo, se libertar de Photoshop, de Corel, de Illustrator, dessas prisões gráficas, e conseguir, em qualquer momento, em qualquer lugar, munido apenas de um lápis e de um papel (e Às vezes bem menos que isso...), reproduzir bem uma idéia legal.
Afinal, a ferramenta mais importante é a que está dentro do crânio.
VISITEM http://www.pensemaisleite.blogspot.com
A repetição é fruto da transformação de referências em commodities de design - e cada vez que alguém cria um filtro, action ou atalho para desenhar esses elementos mais facilmente, está contribuindo para esse processo. A gratuidade é provavelmente filha bastarda dos efeitos da pós-modernidade: a era dos significantes, em que as pessoas encaram vêem nas referências ferramentas auto-justificáveis, como se não precisassem de motivo outro para estar lá. Os brushes são a bola da vez, assim como já o foram as sombrinhas-de-layer-de-photoshop.
Há quem diga que já está saturado dos padrões estéticos presentes no design, porém também existem aqueles que são a favor de padrões estéticos, desde que esses sejam bem feitos. Não discordo de ambos, pois existem varias prisões estéticas em nossas vidas: o que vestir, o que comer, como agir, porém apesar desses moldes em série conseguimos, não todos, criar nossa individualidade mesmo que esse seja um processo lento e gradual.
O uso indiscriminado dos brushes pode ser prejudicial somente para aqueles que o utilizam de maneira inconsciente, ao meu ver, pois a criação mesmo que indiscriminada pode servir de base para amadurecimento profissional, pois é um dado momento somos todos crianças com um crayon na mão a pintar, porém alguns preferem ao máximo colocar um conceito em seus trabalhos, outros preferem fazer “arte” por fazer e do meu ponto de vista os primeiros, que se utilizam desses meios: plug-ins, brushes, gradientes já estão comensando a perceber, que design não é feito somente de conceito ou estética e desses parte um retrocesso, uma valorização cada vez maior de ilustrações clássicas de uma arte conceitual bem feita!
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