sábado, 10 de maio de 2008

Banksy Brasiliense?

Para quem vem de fora, é difícil se acostumar ao concreto de Brasília. De longe, ou pela lente da câmera, não dá para ver o envelhecimento, o cinza e a sujeira dos edifícios. Mas uma vez mergulhado nas superquadras, nas comerciais, e nos monumentos massivos da esplanada, as marcas do tempo doem nos olhos. Se não fosse a vegetação vasta e luxuriante, e os esforços recentes para revitalizar as faixadas dos prédios, a cidade teria uma cara bem triste.

Por isso que chamou a minha atenção e me alegrou de ver, nas passarelas que vão da 112 norte para a 212 norte, as paredes de concreto detonadas, animadas com cenas e personagens estilizados, pintados em fundos coloridos. Um grande choque neste panaroma urbano tão desgastado, manchado, opressivamente prático. O que a gente costuma ver naquelas peredes são anúncios para persianas ou empréstimo rápido, e grafiti iligível – coisas desagradáveis, irritantes. Mas cenas, figuras oníricas, surreais, coloridas, bonitas? Esse artista levou um tempão para executar suas pinturas – um avião a hélice num vasto ceu amarelo, e uma espécie de arlequim sóbrio – só para pintar o fundo colorido, esperar secar, para depois aplicar o stencil por cima, deve ter levado uma boa meia hora. Isso não é grafiti - ou será que é?

Na wikipedia, o grafiti é definido como “imagens ou letras buriladas em paredes”, mas ao bater o olho nestas telas urbanas, não usaria estas palavras para descrevê-las. O grafiti foi, durante anos, considerado apenas como uma forma de protesto gráfico, até de vandalismo, muitas vezes conectado aos movimentos anarquistas. Mas hoje em dia, aquilo que distingue vandalismo de protesto de arte de comércio é a cada vez mais fluído.

O artista de rua inglês Bansky (http://www.bansky.co.uk/) enfeita, há vários anos, as ruas de Londres com os suas obras (de novo, não “grafiti”), ora cínicas, ora críticas, ora engraçadas, mas sempre deslumbrantes, que ele cria aproveitando estruturas, falhas em paredes, e até outros grafitis. Ele já usou-as para denunciar atitudes do seu governo ou questionar um comportamento excessivamente consumista. Em outras ocasiões, ele está apenas usando as paredes e cercas da cidade como telas. Seja o que for, acontece que a própria cidade de Londres (o "council") está trabalhando para preservar e proteger as obras dele de outros grafiteiros! Ou seja, o dinheiro do contribuinte inglês, usado para não limpar os grafitis - o que será que o Bansky acha disso tudo? Será que a sua arte continua com a mesma mensagem de protesto, já que ela é apoiada, mesma dessa forma desviada, pelas autoridades?

O Brasil já tem grandes grafiteiros de renome internacional, que também navegam entre os universos da arte comercial, arte estabelecida, e o vandalismo. Os Gêmeos, assim como são conhecidos os irmãos Pandolfo, já decoraram muitas paredes paulistas com as suas figuras estilizadas meio psicodélicas. Eles receberam até uma comissão do famoso Deitch Project (http://www.deitch.com/), pelo qual eles ganharam uma bela nota. Os dois fizeram faculdade, e parecem cultivar inteligentemente o estilo, e a carreira. Eles usam a cidade como tela (o que tecnicamente, é ilegal) sem necessariamente ter um conteúdo revindicador (continua ilegal), onde eles dão vida às cenas coloridas e fantásticas - então, não estão, de fato, fazendo uma coisa boa? Não temos todos alguma coisa para ganhar com uma selva de concreto mais alegre, menos fria? Em outros momentos, eles mergulham no universo da arte estabelecida, mesmo a arte deles sendo de vanguarda. Se é o subversivo que dá o valor, será que continua com o mesmo valor quando o trabalho é reconhecido, aprecido, comprado pelo “establishment” artístico? Esses artistas podem ter o seu bolo e comê-lo ao mesmo tempo? Isso tira alguma coisa da arte deles? O Bansky fez o gesto mais surreal, absurdo, mais que não deixa de ter um sentido - ele tem um loja virtual no site dele - loja, façon de parler, pois tudo é de graça (são imagens que você pode baixar). Pelo menos isso tem lógica, uma lógica que não compromete a essência do trabalho dele.

O interessante do grafiti, é que, num primeiro momento, não há censura, não digo necessariamente de autoridades públicas, mas também de um curador, um “intelectual”, no processo de seleção que acontece nos museus, arcervos e coleções (lembra o Salão des Refusés dos Impressionistas). Antes mesmo de qualquer tipo de intervenção acontecer, o negócio já está lá, nas ruas, grande, in your face, e não tem como não vê-lo. Já teve o impacto – sim, o mesmo tipo de impacto que a gente discute em sala de aula: o que chamou a minha atenção na hora de passar da 112 para a 212 norte, foi aquela coisa inesperada, em termos do local, mas também em termos do estilo gráfico: a confiança, a ousadia, a forma, a cor, a figura que reconheci. Se tivesse sido um grafiti qualquer, mais uma mancha em mais uma parede manchada, mesmo rabisco ilegível, o teria ignorado, ou teria dado um grande suspiro e pensado o quanto que é lamentável. Não teria lembrado. Não teria sentido aquilo que senti, emoção, curiosidade. O questionamento também: o que será que é? O que esse cara está falando? Será que ainda estará lá amanhã?

A intervenção, a censura (o ato de apagar o grafiti) que acontece muitas vezes tarde demais, é totalmente contra-produtiva, justamente porque ela gera mais buzz ainda, mais curiosidade. É uma técnica que já foi usada na publicidade, em ações de guerilha e marketing viral. A Heineken fez exatamente isso, usando grafiti, numa campanha para o US Open de 1996, que estava patrocinando. Durante semanas antes do início do torneio, a gente via uma bola verde-amarela com uma estrela vermelha dentro, feita com spray no chão, nas calaçadas de Nova York. A gente só começou a perceber conscientemente o signo depois de alguns dias; em seguida, procurávamos “ativamente”: aquilo chamava a atenção quando aparecia na visão pereférica. Aí que tentamos interpretá-lo. Durante semanas, a gente batia o olho naquele negócio e ficava pensando - mas que diabo é isso? E uma belo dia, enquanto estavamos atrevessando a rua, prestes a pisar mais uma vez na bola, o Glen, meu marido, falou - “Já sei o que é”. Ele tinha adivinhado. A Heineken estava botando a marca dela, de graça, em todas a calçadas da cidade. Ou seja, o subversivo que se torna altamente comercial, lucrativo. A very long shot das origens anarquistas.

Tem cidades onde o grafiti não é apenas aceito, mas faz parte da identidade do lugar. É o caso de Berlin, onde, em certos bairros, sobram poucas paredes da sua cor original. Aí que essas perguntas sobre a alma do grafiti devem ter uma outra dimensão – mistura de arte, comercial, protesto, expressão pessoal, identidade, simplesmente de belo. Seré que essas motivações combinam? Enquanto o denominador comum é a beleza, eu não sou contra. Prefiro ser cercada de imagens bonitas, ainda mais se elas vão me fazer pensar - mesma se for uma pergunta simples - do que por um concreto cinza, velho, detonado.

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostei muito do post e como referência segue o site e o fotolog de um grafiteiro, na verdade um grupo deles, que pela competência e originalidade saiu dos muros e partiu para as passarelas de moda entre outros produtos que já foram lançados. Aprecio muito a maneira como utilizam as cores e as texturas. Uma boa dica para os aspiras na direção de arte.

www.fleshbeck.com.br
www.fotolog.com/fleshbeckcrew

é isso aí. Espero que gostem.

Fui

Anônimo disse...

o graffit é uma expressão, não precisa fazer sentido pra ninguém. as vezes nem para o proprio "artista". é uma "arma" ao alcance de te todos e como essa "arma" vai ser usada é critério de quem faz.

Acho engraçado as criticas sobre o graffit, ele é sempre abordado como uma entidade. cada muro pintado tem um nome, uma marca e quando não o próprio traço do desenho denuncia quem fez.

nem todo graffit é necessariamente bom, bonito, vândalo, sóbrio, comercial, barato, bananas, balas de menta...

aprecio o graffit por seu valor imensurável, ele simplesmente esta lá, se comunicando com quem vê, quando vai para outro ambiente ele muda completamente de sentido. ele se comunica com o ambiente e a habilidade de se comunicar "valoriza" o artista.

o graffit é muito mais do que um desenho na parede.

gostei do texto. tantas perguntas.. e o legal é saber que elas não tem mesmo resposta. o caos é a matéria prima para o graffit.

o link que você passou tava quebrado, acho q o correto é esse: http://www.banksy.co.uk/

bjo

M. Felipe
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http://melhordequatro.blogspot.com