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segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Sobre a jurássica arte de "fazer à mão"

Ensinar é um processo complicado que exige uma boa dose de mente aberta de ambos os lados - professor e aluno. Muitas vezes, transmitir uma determinada mensagem com eficiência tem mais a ver com encontrar o jeito certo de dizer do que com o que é dito, especificamente.

Gosto de coletar frases de pessoas que já trabalham com criação há mais tempo que eu - ou, para ser dolorosamente sincero, com mais eficiência nisso, ao menos. Não sei se é simplesmente uma questão de legitimação ou de acerto na escolha das palavras. Mas Umberto Eco já dizia que escrevemos livros sobre outros livros que já lemos. Sendo assim, não raro acabamos atingindo esse objetivo pelas palavras de outros.

Dia desses, um aluno comentou comigo que os dias de roughs feitos à mão estavam contados graças aos computadores. Essa questão vez ou outra acaba vindo à tona quando estou conversando sobre processos na criação - o uso da tecnologia, e em que parte desses processos ela se aplica melhor.

Há muitas concepções que nunca foram discutidas anteriormente por falta de necessidade. Um exemplo típico é a experiência de certos processos mecânicos/braçais na publicidade. Fiquei pensando no que ele havia dito e em por que não concordava, quando me lembrei de algo que li no site do Von Glitschka (criador do www.illustrationclass.com): "Our industry may be digitally driven but ideas are still best developed in analog form."

Vejam bem... Não tenho a intenção de ser nostálgico ou retrógrado. Apenas quero propor uma reflexão acerca de coisas sobre as quais às vezes não paramos para pensar.

Eu me formei em publicidade nos anos 90. Peguei a transição dos métodos antigos de composição e arte-finalização para aqueles usando sistemas informatizados. Quando entrei na faculdade, etapas como concepção, layout e arte-final eram bem distintas, em parte por uma razão técnica: como compor textos era caro e trabalhoso, não dava para se dar ao luxo de finalizar uma ideia antes de ter certeza de que ela era boa o suficiente para ser aprovada.

Por isso era necessário planejar bem uma ideia - rascunhá-la, depois criar um layout com marcadores e imagens genéricas ou ilustrações, deixando para compor somente quando a deia estava bem definida. A popularização de programas de edição de imagem e composição fez surgir a figura do "lay-arte" - um layout que já usa composição eletrônica de tipos, e muitas vezes a imagem final do anúncio.

(Nesse momento essa conversa deve estar parecendo jurássica para quem - como alguns de meus alunos - *nasceu* nos anos 90. Mas peço que tenham paciência e prossiga para que eu termine de expôr meu ponto de vista.)

Essa facilidade tecnicamente mostrou a obsolescência das etapas anteriores. Não há por que fazer um rascunho á mão se eu posso ter uma ideia muito mais próxima da realidade já na etapa inicial, correto?

Mas será que é isso mesmo?

Parece-me que na velocidade da transição, faltou, em algum momento, um questionamento sobre a verdadeira importância desses procedimentos. Faltou entender, por exemplo, qual o papel do rascunho no processo de criação. Em como o trabalho à mão livre tem mais fluidez e é menos engessado que o feito diretamente no computador, ou como dá margem ao erro, que pode ser um interessante elemento de retroalimentação no processo de criar.

Além do mais, rascunhar permite planejar. E planejamento significa, na pior das hipóteses, menos retrabalho. Trabalhar sem algum planejamento é pular etapas. E pular etapas quase sempre leva a ideias rasa, "primeiras ideias" - aquelas às quais qualquer pessoa conseguiria chegar, mas que não conseguem ter impacto ou retenção suficiente.

Quem desenha sabe como um traço que não saiu como o esperado acabou por sugerir um caminho mais interessante que o imaginado inicialmente - possibilidade que o computador, com seus processos cartesianos, elimina quase por completo (faço questão de destacar o "quase" porque eu mesmo já tive uma experiência de erro provocada pelo computador que me sugeriu uma ideias melhor - mas deixo essa discussão para outro momento). E vendo o trabalho de diversos artistas e designers que trabalham com propaganda - entre eles o próprio Von Glitschka - acho que não devo estar tão equivocado assim.

Há uma situação análoga quando se fala de texto. Lembro-me de discutir uma vez sobre a importância da leitura, e de como isso seria modificado se tivéssemos na vida real meios de adquirir conhecimento como os mostrados no filme "Matrix" - plug & learn. Ainda acho que o maior mérito da leitura não seja a transmissão do conhecimento em si, mas o exercício do pensar. Ler nos ensina a raciocina, a concatenar ideias, a estruturar pensamentos. Reduzir a leitura a um simples processo de aquisição de informação é enveredar por um caminho que pode embotar nossas ideias se o futuro os reservar métodos mais eficazes e menos "jurássicos" do que ler um texto.

Para quem não acredita nisso, proponho o desafio de sair um pouco da frente do computador. Pegue lápis e borracha, e experimente criar de forma mais livre. Seja menos assertivo e mais experimental. Você pode acabar descobrindo que Dave McKean, Picasso, Bill Sienkiewicz, Nick Bantok e tantos outros não fizeram o mesmo à toa.

"Practice safe design - always use a concept."
"You can never have too many ideas."
"When in doubt, re-draw it."
- Von Glitschka

domingo, 1 de junho de 2008

Ars Gratis Artis


Andar de bicicleta é uma metáfora que serve a muitas atividades. "Para aprender basta começar", "quanto mais você pratica, melhor se torna nisso", "quem aprende nunca esquece" - todas essas características se aplicam a diversos tipos de aprendizado. Mas em outros, a questão vai um pouco além disso. Desenhar é um deles.

Um amigo meu, saxofonista, me disse certa vez que tocar saxofone é um trabalho que envolve continuidade. "para cada semana que você abandona o sax, ele te abandona três". Descobri que desenhar envolve uma dinâmica semelhante. O trabalho de ganhar firmeza de traço e desenvoltura para reproduzir idéias visualmente envolve (além de constante pesquisa) labuta diária e um pouco de amor ao desenhar pelo desenhar em si.

Comecei a desenhar muito cedo, e em um dado momento o ato de desenhar deixou de ser somente expressão individual e veio de encontro a meu foco profissional - razão que me levou a trabalhar com Direção de Arte e me aproximou do Design Gráfico como autodidata. De lá para cá busco diariamente o aprimoramento técnico e formas de transitar melhor no campo da ilustração.

Uma das formas que mais colaborou para esse aprimoramento foi trabalhar o desenho espontâneo. Hoje carrego um sketchbook para todo lado, e sempre que posso páro para registrar alguma cena que vejo, experimentar desenhos rápidos de coisas em movimento e principalmente a valorizar bastante a capacidade de expressão livre, mais que a técnica depurada (parte desse trabalho pode ser visto aqui). Desenhos detalhados podem ser desenvolvidos com tempo, dedicação e boas ferramentas, mas a capacidade de explorar idéias e captar a beleza da comunicação fugaz só se consegue de um jeito: deixando as travas de lado e desenhando, desenhando e desenhando.

Dia desses precisei acordar muito cedo numa manhã de sábado para um compromisso, e vendo que já estava mesmo na rua numa manhã ensolarada e agradável, achei de bom tom não voltar para casa, preferindo aproveitar o momento.

Aqui em Brasília há diversos espaços abertos ótimos para quem tem tempo livre e gosta de observar o que acontece à sua volta. Acabei indo até a Praça dos Três Poderes, onde pude me sentar calmamente, curtir um pouco de sol e vento, ver as pessoas passando e desenhar pombas e cabeças de presidente.

Para quem quer se dedicar a Direção de Arte, saber desenhar pode até não ser um pré-requisito inevitável, mas certamente ajudará bastante a expor suas idéias e a criar bons layouts e metáforas gráficas.

Em resumo: não perca tempo. Pegue um caderno de desenhos, arme-se de uma boa caneta nanquim e saia por aí, capturando a vida.