quarta-feira, 3 de setembro de 2008

(des) aforismos (parte I)

A tarefa de ensinar em publicidade pode ser (e geralmente é) espinhosa, porque transita no limiar acadêmico de uma atividade cuja prática costuma ser extremamente pragmática. Com tantos criativos sem formação acadêmica atuando com sucesso no mercado publicitário brasileiro, às vezes pode parecer pretensioso tentar impor regras e métodos para criar.

Particularmente acho que essa percepção sobre “talentos naturais” um tanto enganosa – o fato de alguém ter maior facilidade para determinados processos mentais (como aqueles envolvidos no processo de criação) não elimina a existência de um método; no máximo, indica que ele é intuitivo, e portanto não percebido como tal.

E não podemos ignorar que essas discussões acontecem dentro do universo acadêmico - e a academia é a casa das teorias e abstrações. Logo, no processo de ensinar a criar não há como fugir completamente do arcabouço teórico. Para encontrar um ponto de equilíbrio entre a verve empirista e o método acadêmico, é preciso buscar pontos de contato entre esses dois universos (o que, aliás, é um recurso básico de retórica).

A gestação deste blog ocorreu dentro da matéria Laboratório de Criação e Produção Gráfica - uma cadeira do curso de Publicidade do IESB que representa bem a dualidade entre teoria e prática (nota do autor: a propaganda foi involuntária :), já que se trata de uma matéria extremamente pragmática cuja participação depende diretamente de uma série de conceitos abstratos, como processos comunicativos, retórica aristotélica e outros. Hoje, um dos pontos mais críticos que percebo em sala de aula é a construção de uma mensagem primária com viés publicitário. Ou (em português mais claro), saber como fazer um bom título.

A cada novo briefing, uma enxurrada de frases vazias, esdrúxulas, complicadas ou simplesmente sem sentido vem engrossar a lista do que não deve ser feito quando se cria uma peça publicitária. Eis alguns exemplos aterradores (os nomes dos autores foram omitidos para proteger os inocentes):

  • “De onde vêm estes sorrisos? É a nacionalidade do surf.” (para Mormaii Brasília)
  • “Jacaré hoje, jacaré forever.” (para Mormaii Brasília)
  • “Bengala na banguela.” (para Viagra)
  • “Rebola, robalo.” (para Sushi Brasil)
  • “Descoberto o segredo da aranha que picou ele” (para a revista Wizard)
  • “Se chover salva também.” (para pneus Michelin)
  • “É proibida a circulação de veículos equipados com pneus cujo desgaste da banda de rodagem seja inferior a 1,69mm de profundidade” (para pneus Michelin)

... a lista é interminável. Invariavelmente, após quatro meses de labuta, alguns acabam achando o caminho das pedras e entendendo o que dá certo, e por que. Do lado docente, após quatro anos de acompanhamento contínuo, é possível perceber padrões e identificar os problemas mais comuns encontrados nos títulos produzidos:

Títulos que são slogans, não títulos. Segundo o “pai dos burros cibernético” (Wikipedia), “Um slogan ou frase de efeito é uma frase de fácil memorização agregando um valor único à empresa, produto ou serviço, sendo esse valor concreto ou não.” "Slogan" vem de sluagh-ghairm (se pronuncia slogorm), do gaélico-escocês para "grito de guerra". Já o título publicitário busca algo mais pontual, como sintetizar a promessa de um benefício – ou seja, ele ilustra de uma forma interessante e atraente a mensagem principal do anúncio, e com isso tenta trazer o leitor para o resto da peça. O problema com títulos que têm cara de slogan (“Qualidade e segurança”, “Sua vida com mais cor”, “Você pode confiar na gente”) é que além de serem abstratos demais, eles “chegam com cara de quem já está saindo”, não seduzindo o leitor para que continue vendo a peça publicitária.

Títulos que não dizem nada. Esse é auto-explicativo. Um anúncio tem um propósito: vender um produto, serviço ou benefício. Se seu título não diz nada (“Vá até onde você deseja”, “As estradas do mundo têm nome”), sua peça fica vazia.

Títulos que dependem do texto de apoio para sobreviver. Segundo David Ogilvy, "O título é lido 5 vezes mais que o texto.". Pesquisas mostram também que os maiores índices de dispersão acontecem entre o título e o texto de apoio. Ou seja, delegar para este último a responsabilidade de prender o leitor num cenário em que muitas vezes ele não passará do título é contar demais com a sorte.

Títulos que são foto-legenda. A imagem está lá, dizendo tudo, e o título repete a mesma mensagem só para ter certeza. São como aqueles camaradas que contam uma piada ruim, e quando ninguém ri eles resolvem continuar ofendendo pressupondo que ninguém nriu porque não entenderam a sacada genial – e aí eles explicam (“sacou? sacou?”). Há vários exemplos clássicos. Um dos últimos que vi trazia o titulo “o mundo é bárbaro” acompanhando de um globo terrestre usando um capacete viking. “O mundo... bárbaro. Hein? Sacou? Sacou?”

Títulos sem correlação com o resto do anúncio. É o caso oposto ao da foto-legenda, e tão comum quanto. O título fala uma coisa, e a imagem diz outra que não tem nada a ver com o título – ou com nada mais, frequentemente. Exemplos disso costumam ser tão bizarros que é até melhor omiti-los.

Títulos mal construídos. A metáfora é boa, o argumento é pertinente, a idéias está lá... Mas o conjunto não funciona. A frase não é fluida, há cacofonia, a mensagem não foi abordada pelo ângulo certo, ou simplesmente está mal construída. Dos problemas, este talvez seja o menor, porque significa que há conteúdo por trás do trabalho, e logo há salvação. E esta salvação não é outra senão aprender pelos bons exemplos: ler, ler, ler, ler, ler, ler... E escrever. Muito. Incansavelmente. Segundo Carlos Domingos (autor de “Criação Sem Pistolão”), “A menos que você seja repentista, vai ter que fazer muitos títulos até chegar num bom. Eu só conheço este jeito de fazer bons títulos: fazer muitos. Quando digo muitos, quero dizer 50, 100, 200... até chegar lá e acertar. O melhor método de trabalho que existe é o darwiniano: ter muitas idéias, mas só as melhores sobrevivem."

Fim da Parte I...

2 comentários:

Pedro Tavares disse...

hahahhahaha
“Bengala na banguela." é ótima!!

Bruno Leo Ribeiro disse...

Olha só! Nem sabia desse blog ;)

Maneiro demais!

"Favoritado" =)