domingo, 3 de abril de 2011

Nunca é suficiente relembrar alguns pontos

Às vezes, olhando de forma muito pragmática, a venda de uma ideia por meio do discurso de outros - principalmente citações - pode soar uma saída preguiçosa e pouco original.

Já no meio acadêmico, os rigores da metodologia científica correm exatamente para o outro lado, e - com uma provável honrosa exceção de Umberto Eco - ninguém constrói um raciocínio sem alicerçar sua argumentação nas falas de muitos outros que vieram antes.

Extremos à parte, você pode querer assegurar uma pureza de discurso (que na verdade não existe, mas isso é conversa para outro post) ou "sustentar-se nos ombros dos gigantes", mas não dá para negar que uma boa parcela da credibilidade do que dizemos se alimenta da credibilidade da fonte, e não do conteúdo. Seja ela você mesmo ou o já citado Umberto Eco.

A intencionalidade presumida que acreditamos ver no discurso do outro, por exemplo, afeta diretamente o crédito que damos à sua fala. Basta uma mínima desconfiança de que a argumentação tem motivações alheias para já criar uma barreira de ceticismo. Experiência, por exemplo, que toda mãe já viveu ("quando é a mãe que fala, filho nunca escuta!").

Se mães já ficam sem credibilidade, e professores, então? "Quem sabe faz, quem não sabe ensina, quem não sabe ensinar dá aulas de educação física", brinca Jack Black em "Escola do Rock". Piadas à parte (sem ressentimentos, pessoal da educação física! :) professores com frequência passam pela mesma situação. São horas falando sobre caminhos possíveis e caminhos problemáticos, sobre onde ficam os gargalos do processo, e ainda assim, ao final, lá estão todos os problemas espalhados pelos trabalhos finais. Mas basta uma palestra num evento de publicidade, e de repente tudo aquilo que foi dito passa a fazer sentido para o aluno, que ocasionalmente vem contar como em uma hora de palestra ele aprendeu mais coisas sensacionais que em um semestre de aula. O que seria genial, não fosse o fato dessas coisas sensacionais terem sido todas exploradas em sala.

(ei, claro que outros fatores influenciam. Foco, cansaço, predisposição, metodologias melhores ou piores. E a perspectiva de uma coisa nova fora de sala de aula sempre atiça mais a curiosidade. Mas um professor não se furta a fazer um pequeno drama, de vez em quando :)

Por isso às vezes é interessante cortar intermediários e trazer você mesmo para o ambiente acadêmico as falas dos gigantes da área. Uma citação com um nome de peso de alguém inserido no mercado faz horrores pela credibilidade de uma mensagem. Foi nesse espírito que esbarrei numa entrevista antiga com o Roberto Duailibi, em que ele fala sobre processo criativo. Destaco um trecho em especial:

"Eu tenho método. Por exemplo, eu nunca escrevi um título sem que eu escrevesse pelo menos quarenta títulos. Eu acredito que a quantidade de ideias gera qualidade. Então, a primeira condição é não ter preguiça. É você sentar em frente ao teclado e escrever, escrever, escrever... nunca ficar satisfeito com uma solução até encontrar aquela frase que seja realmente circular; que penetre, que diga tudo aquilo que você quer dizer com poucas palavras."

Adorei ouvir aquelas palavras, porque elas reproduzem exatamente algo que é falado em sala de aula quase todos os dias. Por isso trago para cá a frase e o link para a tal entrevista, torcendo para que uma mãozinha de um dos melhores redatores publicitários do Brasil ajude a convencer os alunos daquela velha máxima sobre "1% de inspiração, 99% de transpiração".

O processo criativo, por Roberto Duailibi - DPZ- parte 01

O processo criativo, por Roberto Duailibi - DPZ- parte 02

O processo criativo, por Roberto Duailibi - DPZ- parte 03

O processo criativo, por Roberto Duailibi - DPZ- parte 04

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Ainda sobre a história das mães: um conhecido, após discutir por horas com sua mãe sobre um determinado (e polêmico) ponto de vista, ouviu dela o argumento final: "tudo bem. Não me dê ouvidos. Mas você vai passar por isso também. Eu desejo somente que seu filho seja um filho exatamente igual ao que você foi". Ao que ele, numa epifania de percepção sobre si mesmo, respondeu enfaticamente: "poxa, mãe, agora você pegou pesado..."