quarta-feira, 17 de setembro de 2008

(des)aforismos (parte II)

"Se você por acaso pertencer à minoria mal-humorada que pode realizar um trabalho criativo, nunca force uma idéia; você a abortará se fizer isso. Seja paciente e dará à luz a ela quando chegar o momento. Aprenda a esperar."
(Lazarus Long)

Quando comecei o post anterior (e antes de ele virar um texto em duas partes) minha intenção era falar sobre uma boa descoberta que eu havia feito. No meio do caminho, no entanto, ficou claro para mim que era preciso abordar outras coisas antes de falar sobre o que tinha me motivado inicialmente, para dar contexto. Criação tem disso. Às vezes as coisas não saem como planejamos, e isso é algo bom, na verdade, porque nos tira da mesmice e nos proporciona vislumbrar outros caminhos.

Sou um fã do acaso, para ser bem sincero. Às vezes é difícil para quem já trabalha com algo a tempo demais desviar-se conscientemente só pela experiência de conhecer coisas novas. Às vezes busco modos de fazer isso, aproveitando pequenas oportunidades – como entrar num corredor qualquer de uma biblioteca e selecionar um livro só pelo nome ou pela capa (coisa que fiz recentemente, inclusive).

Outras vezes, “as coisas” se encarregam de fazer isso. Certa vez estava numa livraria-café matando tempo (literalmente) quando um funcionário espanando uma das estantes fez um livro cair entre meus pés, com o título virado para mim. Era um livro sobre usabilidade, ergonomia e arquitetura de informação – exatamente o tema de um TCC que eu estava orientando na época. Oportunidades como esta não se desperdiça.

Em outra ocasião, eu estava no aeroporto aguardando uma pessoa que chegaria dentro de hora e meia. Como sempre faço, fui até a livraria ver o que havia de novo, e esbarrei nesse livro do James Geary, O Mundo Em Uma Frase - Uma Breve História do Aforismo.

Interlúdio: segundo o dicionário online Priberam, Aforismo (do Lat. aphorismu - Gr. aphorismós, delimitação s. m.) é definido como ”proposição, máxima, rifão ou sentença que em poucas palavras encerra um princípio moral.”

Retomando. Achei o título interessante e resolvi comprar para ter algo para ler durante a espera. Em um dado momento, o autor começa a relacionar o que ele chama de “as cinco leis do aforismo”. Fui lendo aquilo, e comecei a perceber que suas definições de um bom aforismo se enquadravam exatamente na descrição do que um bom título publicitário deve ter (mérito do bom e velho backburn - é o que acontece quando você mantém perguntas em sua mente em busca de respostas que possam atendê-las).

Basicamente o que vi ali foi a resposta a um constante problema de explicar como se cria bons títulos. Resolvi então adaptar essas leis do aforismo para um contexto publicitário, e o resultado foi esse:

Cinco caracterísiticas de um bom título publicitário (análogas às cinco leis do aforismo):

  1. Concisão - independentemente de um título ser longo ou curto (i.e. ter muitas ou poucas palavras) ele precisa ser conciso - ou seja, concentrar informação que possa ser percebida como uma unidade. O texto deve fluir. Se ao ler a frase têm-se a impressão de que "está demorando", pode haver ruído. Olgivy disse que "não há títulos longos ou curtos, mas títulos bem, ou mal construídos".
  2. Conteúdo preciso - um bom título precisa dizer algo, ou ficará vazio. Sua função é trazer a atenção do leitor para o anúncio; se ele não diz nada de relevante, interessante ou informativo, significa que não atendeu ao seu objetivo.
  3. Idiossincrasia - um título não pode se dar ao luxo de ser neutro demais, ou não cativará. è rpeciso que ele tenha certa personalidade, já que de um modo ou de outro, representa um ponto de vista sobre alguma coisa.
  4. Guinada - um texto publicitário que não surpreende em algum nível é como uma piada sem o "chiste". É preciso que ele surpreenda, quebre uma expectativa ou faça a pessoa ver alfgo que não tinha percebido. Ou como diria Mika, é preciso ter um "ca-tchiiing" :)
  5. Profundidade filosófica - você não precisa citar Platão ou Nietzsche, mas é interessante que após ler o anúncio o leitor fique com aquilo na cabeça, aquela sensação de "ei, é mesmo...." que a guinada deixa.
Não é uma receita de bolo (ainda bem), mas fiquei satisfeito com a analogia, porque vejo nela uma possibilidade de entendimento sobre a essência do que é fazer um bom título.

Complementando, há ainda sugestões de leitura que sempre ajudam a quem quer aprender um pouco mais siobre o ofício de moldar palavras em textos:

  • "Razões para se bater num sujeito de óculos", do Eugênio Mohallen
  • "Razão e sensibilidade no texto publicitário", do João Anzanello Carrascoza
  • "Os Piores Textos de Washington Olivetto", do próprio
  • "Redação publicitária", do João Anzanello Carrascoza
  • "Redação publicitária: sedução pela palavras", do Celso Figueiredo
  • "Cultura de verniz 2", do Roberto Menna Barreto
... e este humilde blog sobre criação publicitária que vos fala :)

Bem, a mensagem basicamente é essa. O pontapé inicial está dado. Agora é escrever, escrever e escrever!

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

(des) aforismos (parte I)

A tarefa de ensinar em publicidade pode ser (e geralmente é) espinhosa, porque transita no limiar acadêmico de uma atividade cuja prática costuma ser extremamente pragmática. Com tantos criativos sem formação acadêmica atuando com sucesso no mercado publicitário brasileiro, às vezes pode parecer pretensioso tentar impor regras e métodos para criar.

Particularmente acho que essa percepção sobre “talentos naturais” um tanto enganosa – o fato de alguém ter maior facilidade para determinados processos mentais (como aqueles envolvidos no processo de criação) não elimina a existência de um método; no máximo, indica que ele é intuitivo, e portanto não percebido como tal.

E não podemos ignorar que essas discussões acontecem dentro do universo acadêmico - e a academia é a casa das teorias e abstrações. Logo, no processo de ensinar a criar não há como fugir completamente do arcabouço teórico. Para encontrar um ponto de equilíbrio entre a verve empirista e o método acadêmico, é preciso buscar pontos de contato entre esses dois universos (o que, aliás, é um recurso básico de retórica).

A gestação deste blog ocorreu dentro da matéria Laboratório de Criação e Produção Gráfica - uma cadeira do curso de Publicidade do IESB que representa bem a dualidade entre teoria e prática (nota do autor: a propaganda foi involuntária :), já que se trata de uma matéria extremamente pragmática cuja participação depende diretamente de uma série de conceitos abstratos, como processos comunicativos, retórica aristotélica e outros. Hoje, um dos pontos mais críticos que percebo em sala de aula é a construção de uma mensagem primária com viés publicitário. Ou (em português mais claro), saber como fazer um bom título.

A cada novo briefing, uma enxurrada de frases vazias, esdrúxulas, complicadas ou simplesmente sem sentido vem engrossar a lista do que não deve ser feito quando se cria uma peça publicitária. Eis alguns exemplos aterradores (os nomes dos autores foram omitidos para proteger os inocentes):

  • “De onde vêm estes sorrisos? É a nacionalidade do surf.” (para Mormaii Brasília)
  • “Jacaré hoje, jacaré forever.” (para Mormaii Brasília)
  • “Bengala na banguela.” (para Viagra)
  • “Rebola, robalo.” (para Sushi Brasil)
  • “Descoberto o segredo da aranha que picou ele” (para a revista Wizard)
  • “Se chover salva também.” (para pneus Michelin)
  • “É proibida a circulação de veículos equipados com pneus cujo desgaste da banda de rodagem seja inferior a 1,69mm de profundidade” (para pneus Michelin)

... a lista é interminável. Invariavelmente, após quatro meses de labuta, alguns acabam achando o caminho das pedras e entendendo o que dá certo, e por que. Do lado docente, após quatro anos de acompanhamento contínuo, é possível perceber padrões e identificar os problemas mais comuns encontrados nos títulos produzidos:

Títulos que são slogans, não títulos. Segundo o “pai dos burros cibernético” (Wikipedia), “Um slogan ou frase de efeito é uma frase de fácil memorização agregando um valor único à empresa, produto ou serviço, sendo esse valor concreto ou não.” "Slogan" vem de sluagh-ghairm (se pronuncia slogorm), do gaélico-escocês para "grito de guerra". Já o título publicitário busca algo mais pontual, como sintetizar a promessa de um benefício – ou seja, ele ilustra de uma forma interessante e atraente a mensagem principal do anúncio, e com isso tenta trazer o leitor para o resto da peça. O problema com títulos que têm cara de slogan (“Qualidade e segurança”, “Sua vida com mais cor”, “Você pode confiar na gente”) é que além de serem abstratos demais, eles “chegam com cara de quem já está saindo”, não seduzindo o leitor para que continue vendo a peça publicitária.

Títulos que não dizem nada. Esse é auto-explicativo. Um anúncio tem um propósito: vender um produto, serviço ou benefício. Se seu título não diz nada (“Vá até onde você deseja”, “As estradas do mundo têm nome”), sua peça fica vazia.

Títulos que dependem do texto de apoio para sobreviver. Segundo David Ogilvy, "O título é lido 5 vezes mais que o texto.". Pesquisas mostram também que os maiores índices de dispersão acontecem entre o título e o texto de apoio. Ou seja, delegar para este último a responsabilidade de prender o leitor num cenário em que muitas vezes ele não passará do título é contar demais com a sorte.

Títulos que são foto-legenda. A imagem está lá, dizendo tudo, e o título repete a mesma mensagem só para ter certeza. São como aqueles camaradas que contam uma piada ruim, e quando ninguém ri eles resolvem continuar ofendendo pressupondo que ninguém nriu porque não entenderam a sacada genial – e aí eles explicam (“sacou? sacou?”). Há vários exemplos clássicos. Um dos últimos que vi trazia o titulo “o mundo é bárbaro” acompanhando de um globo terrestre usando um capacete viking. “O mundo... bárbaro. Hein? Sacou? Sacou?”

Títulos sem correlação com o resto do anúncio. É o caso oposto ao da foto-legenda, e tão comum quanto. O título fala uma coisa, e a imagem diz outra que não tem nada a ver com o título – ou com nada mais, frequentemente. Exemplos disso costumam ser tão bizarros que é até melhor omiti-los.

Títulos mal construídos. A metáfora é boa, o argumento é pertinente, a idéias está lá... Mas o conjunto não funciona. A frase não é fluida, há cacofonia, a mensagem não foi abordada pelo ângulo certo, ou simplesmente está mal construída. Dos problemas, este talvez seja o menor, porque significa que há conteúdo por trás do trabalho, e logo há salvação. E esta salvação não é outra senão aprender pelos bons exemplos: ler, ler, ler, ler, ler, ler... E escrever. Muito. Incansavelmente. Segundo Carlos Domingos (autor de “Criação Sem Pistolão”), “A menos que você seja repentista, vai ter que fazer muitos títulos até chegar num bom. Eu só conheço este jeito de fazer bons títulos: fazer muitos. Quando digo muitos, quero dizer 50, 100, 200... até chegar lá e acertar. O melhor método de trabalho que existe é o darwiniano: ter muitas idéias, mas só as melhores sobrevivem."

Fim da Parte I...